quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Resenha de A Senhora da Tundra - Um livro frio e mordaz

Olá, um salve a todos que vieram até aqui para ler esta resenha. Desde já agradeço a paciência e me apresento, com um grande e afetuoso sorriso que a vocês cabe imaginar. Sou Ton Botticelli, amigo do Rafael, e fui convidado a escrever estas poucas linhas sobre A Senhora da Tundra, de Paola Giometti. Escritor, professor de português e escrita criativa, revisor e, principalmente, leitor de fantasia, acho que fui gabaritado o suficiente para a tarefa, em partes, digna de heróis.

Sirvam-se de hidromel, peguem petiscos de porco e sigam-me nesta jornada pelos confins gelados de Real Vholtor.

O livro, lançado no finzinho de 2022 pela Culturama, foi inspirado no folclore sombrio escandinavo. Paola se inspirou na noite polar da cidade de onde vive, no norte da Noruega, para dar vida a seus personagens fantásticos. A própria narrativa toma lugar num período antigo da história escandinava.

Trata-se de uma história de queda, redenção, busca e destino, basicamente nesta ordem. Nele, somos apresentados a uma região inóspita, dominada pelo frio, por monstros, e em especial pelos draugar, um povo de meio-humanos dotados de poderes sobrenaturais mas que necessitam se esconder da luz solar e se alimentam de seres humanos. Dentre eles está Jarnsaxa, a princesa bastarda de Drakkar, o rei, líder único, e tirano dos draugr. Por conta de eventos que não me cabem relatar agora, a guerreira se separa dos seus iguais, é perseguida, e vê-se diante do desafio de conseguir encontrar seu lugar no mundo, uma vez afastada dos outros draugr.


Dizem que não se deve julgar um livro pela capa (ledo engano, é uma das coisas que mais fazemos em livrarias), mas a de A Senhora da Tundra me passou uma mensagem clara, e segui com ela o livro todo. Saxa, como é apelidada, nos é apresentada em uma pose feroz, numa imagem quase sem cor, salvo pelas marcas vermelhas em seu rosto. Sua expressão de guerra, com a boca aberta, em um eterno grito, já nos diz que ela não será uma protagonista fácil de gostar. A espada a suas costas, Fogo do Gigante como descobriremos em algum ponto, é mais uma afirmação de que esta é uma história de luta, violência e justiça. O principal, no entanto, é a coloração, de que já falei antes. Depois da metade do livro, compreendi que nenhum de seus protagonistas pode ser encarado como lado claro ou sombrio da Força, por assim dizer. Todos possuem densas camadas de cinzas, e mesmo nos seus atos egoicos, podem tomar atitudes benignas aos outros. Percebido isso, ingressar na caçada de Saxa ficou mais fácil.

E por que digo isso? Bem, Paola escreve o livro da mesma forma como o ambiente que retrata. Frio, cru, direto, em nenhum momento a escrita flerta com a empatia. Pelo contrário, ela nos intima a entrar neste clima brutal e aceitar as verdades de seu mundo. Os diálogos são cortantes, às vezes dotados de ironia, malícia, mas nunca aprazíveis. A vida draugr não nos permite nos sentirmos confortáveis. E isso porque não vemos apenas o mundo pelos olhos de Saxa. Quando conhecemos Dvalin, Lork, Katla e Rurik, os outros quatro protagonistas, nós compreendemos as camadas de que falei antes, e essa selvageria no jeito de Saxa fica mais compreensível. A morte está a uma palavra dura de distância, e toda espada ou machado está afiado.

Ilustração interna do livro

A maior qualidade do texto é a forma como Paola parece íntima com sua história, com os termos que utiliza, e não se acanha em esfregá-los em nossa fuça. O glossário ao final do livro ajuda, mas em diversos momentos, os personagens não param para se fazer compreender, dizendo o que querem de uma vez só. Aliás, este é outro ponto que me chamou atenção. Não há espaço para duas ou três palavras a mais, para o gracejo, nos diálogos de A Senhora da Tundra. O que não é informação clara, é xingamento. E como eles xingam! De fato, seja draugr, álfr ou humano, eles sabem como provocar e intimidar seus oponentes.

Mais uma vez falando da capa, o projeto gráfico do livro é um dos destaques. Além da capa com uma imagem aterradora, o miolo conta com ilustrações que vez ou outra nos fazem visualizar a cena  de forma mais concreta. As artes mostram Jarnsaxa e seus aliados, ou seus antagonistas, em tons pesados de cinza, geralmente em lugares ermos e escuros, ou mesmo quando na luz, as trevas são fortes. A minha favorita é quando a entidade dos berserkers nos é apresentada.

A Senhora dos Bersekers

O que me dificultou a leitura, no entanto, foi a descrição de suas batalhas e alguns ambientes. Há momentos que são bem fluídos, como a perseguição na cidade dos ladrões, e a viagem até a Montanha do Gigante. Outros, no entanto, são permeados com golpes, aparadas, esquivas e movimentos confusos, que me tiraram um tanto da imersão. Ficou claro que, uma vez que Paola tinha que se importar com quem eram os combatentes em cena, e não apenas Jarnsaxa, ela teve que pesar mais cada descrição. Perto do final do livro, isso atrapalha um tanto.

Mas aí vem um detalhe, algo que me fez, enquanto escrevo esta parte final da resenha, refletir sobre a Senhora da Tundra. A história, como disse lá no início, é uma busca por algo, e o encontro com destino. Não é totalmente inovadora, mas possui uma qualidade inegável: ainda que você não se apaixone pelos personagens, em especial por Saxa, você fica curioso de ver como eles vão lidar com os perigos de Real Vholtor e sobreviver à esta situação perigosa. E essa é a força que move o trenó que nos leva até a última página, a curiosidade de ver como acabará. A Senhora da Tundra é uma luta ferrenha contra a escuridão, e a busca pela luz, para Saxa e para o leitor.

Paola Giometti é mais conhecida por escrever fantasia polar. Tem nove livros publicados e em 3 idiomas diferentes. Em 2020 foi finalista do International Recognition of Brazilian Literature Award promovido pela Academia Internacional de Literatura Brasileira e pela Focus Brazil New York 2020, além de ter estudado sagas medievais islandesas na Universidade da Islândia e Storytelling pela Pixar. Atualmente, vive em Tromsø, em um vilarejo no extremo norte da Noruega, com seu companheiro e suas três serpentes. Você pode segui-la no instagram (@paolagiometti), além de conferir o site oficial.

A Senhora da Tundra está disponível na Amazon, em formato físico e digital. ⚔

Se você já leu, deixe nos comentários sua opinião sobre essa história!


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