terça-feira, 8 de maio de 2018

A Marca, um conto de Gi Pezzolato – finalista do Prêmio Strix 2018

Salve, medievalistas e leitores de fantasia!

Continuando nossa série com os contos finalistas do Prêmio Strix, dentre aqueles publicados no livro Baladas Medievais, hoje trazemos o conto A Marca, de Gi Pezzolato.


A premiação vai acontecer em 06 de Outubro, em São Paulo/SP, em uma cerimônia inspirada na entrega do Oscar, durante o evento Livros em Pauta, organizado pela Editora Andross. Até lá dá tempo de você ler os cinco contos finalistas, escolher seu favorito, torcer e quem sabe estar lá para prestigiar o autor!


Quer saber um pouco mais sobre o livro Baladas Medievais? Veja aqui nosso post sobre ele!


Agora vamos ao segundo conto finalista:


A Marca

“Em cada um de nós há um segredo, uma paisagem interior com planícies invioláveis, vales de silêncio e paraísos secretos.”
ANTOINE DE SAINT-EXUPÉRY

Cateline sempre sentiu que era diferente. Todos em Florestville mantinham-se afastados dela sem ao menos saber o motivo. Ela queria descobrir sua Marca. A Marca é a palavra que define alguém, a Marca é quem você é. E Cateline não sabia quem era. A única forma de descobrir era deixando Forestville, e o único jeito de fazer isso era se alistando para a guerra contra os mulçumanos.

Assim que completou a maioridade, alistou-se.

Vestiu sua armadura e lixou Dragan, a espada que heradara após a morte de sua mãe, queria tudo perfeito para o alistamento.

***

Há dois anos, o Rei de Forestville ordenou que as mulheres também lutassem, se assim quisessem. Uma medida claramente desesperada para substituir os guerreiros que pereciam com a Peste Negra. No entanto, havia apenas mais duas jovens além de Cateline no dia da cerimônia.

A cerimônia religiosa d partida durou três horas. O exército partiu após a benção com o destino nas mãos de Deus.

Depois de horas e horas andando sem parar pela mata, resolveram acampara para dormir. Cateline foi escolhida como a primeira vigia, ela deveria vigiar três horas da manhã e depois iniciaria o turno de Eda, uma das poucas mulheres que também se inscreveram nas Cruzadas. Cateline permaneceu em sua função durante uma hora, mas logo algo a desviaria de seu foco: ela ouviu uma voz chamando-a.

Olhou para os lados, todos dormiam tranquilamente. Ignorou, mas a voz continuou a chamar: Cateline.

Dessa vez, num tom mais claro e mais suave.

A guerreira resolveu seguir na direção do som, que a levou à maior árvore da floresta. Seu conhecimento de magia antiga, transmitido pela mãe quando criança, permitiu identifica-la: aquela árvore era um Nemeton, antigo templo Druida.

Aproximou-se mais, completamente absorta na magia que a chamava para a árvore. Notou que o templo possuía uma grande entrada, o suficiente para que ela pudesse passar tranquilamente. Cada vez chegava mais perto, em transe perante a tanta magia, até que caiu em um buraco e bateu a cabeça.

***

Corria por entre as árvores, sorrindo. Um homem vinha em seu encalço, as risadas ficavam mais fortes quando ele se aproximava, até que ele a pegou no colo. Ela riu e perguntou:

– O que iremos fazer agora, papai?

– Paciência, Cateline. Paciência é a melhor aliada em uma batalha, não te esqueças. Venha, estás com fome? – o pai ergueu as mãos numa árvore, rapidamente os galhos se curvaram ao seu comando e três belos frutos caíram na palma de sua mão.

Cateline observava, surpresa:

– Papai, quando conseguirei fazer isso também?

Colocando um pedaço de alimento na mão da filha, ele disse:

– Muitas gerações podem passar sem que haja um único Druida, tu podes ser um, como pode não ser. Entendes, Cateline? Por isso é importante que tu aprendas tudo que puderes com a sua mãe.

A menina concordou tristemente. Talvez pudesse dar sorte, talvez.

***

Cateline despertou com lágrimas nos olhos. Fazia quatorze anos que não via seu pai, ele havia sido uma vítima da peste, que não se lembrava mais dele, porém, de alguma forma, o Nemeton desencadeou suas memórias.

De repente, avistou a figura envolta em um manto simples e exibindo um semblante que aparentava sabedoria: seu pai.

Ele se aproximou lentamente e, mesmo sabendo que o homem não passava de um fantasma, pôde sentir seu toque.

Então, bem no local em que ele se tocara, sentiu uma chama incontrolável. Sem poder mais conter, liberou-a.

Labaredas saíram da palma de sua mão. O poder despertou em Cateline, o fogo consumiu todo seu corpo e se alastrou por toda Nemeton e, da mesma forma que começou, a chama se apagou.

Olhou surpresa, percebendo que sua peles roupas não exibiam nenhuma evidência das chamas, muito menos a árvore, tudo estava em ordem. Ela sentiu a magia do lugar, uma magia intensa e verdadeira.

Ela sorriu. Agora Cateline sentiu que era como o pai, era uma Druida.

Virou-se para a figura que havia desencadeado seus poderes, mas ele havia sumido. O pai foi evocado em Nemeton e o templo despertou seus poderes. Ficou feliz por ter visto seu pai mais uma vez antes de partir para a batalha. Agora sentia que estava mais preparada que nunca. Deixou Nemeton com um sorriso. Agora ela tinha a sua Marca.

Voltou para o acampamento pensando em que outras proerzas seria capaz de realizar. Ninguém havia dado por sua falta, todos continuavam dormindo no mais profundo véu dos sonhos. Se pudessem ver Cateline naquele momento, o sorriso não lhe cabia no rosto.

***

Durante dias, Cateline conseguiu controlar o poder da chama secretamente em seus treinos matinais antes das orações. Os católicos cada vez mais se aproximavam do campo de batalha em Alddan, na Palestina. A tensão era evidente em todos os guerreiros, quando com as mãos nos terços rezavam para que voltassem vivos para suas famílias. Ela não se importou, não tinha família. Iria lutar até o fim para proteger seu povo e honrar o nome de Deus, e também mostrar a seu pai que agora era uma mulher muito melhor do que jamais fora.

Na terceira noite, a Peste atacou mais uma vítima. Seu nome era Amis, o soldado mais competente do batalhão. Ao vê-lo coberto de suor e convulsionando, algo tomou conta de Cateline. Ela se aproximou de Amis, a mesma sensação que sentira no Nemeton se apoderou dela novamente. De alguma forma, ela sabia que poderia curá-lo. Colocou a mão em seu ombro e disse:

– Escute! Posso curá-lo, mas prometa-me que não contará para os outros.

Amis apenas concordou com a cabeça. Ele não podia morrer antes de defender seu batalhão.

Cateline fechou os olhos e sentiu uma leve pulsação por todo o corpo, que irradiou em suas mãos. Ela sentiu o suor do corpo de Amis diminuir e sua respiração aos poucos tornar-se estável. Abriu os olhos e observou o bravo guerreiro nitidamente assustado e ao mesmo tempo admirado.

Amis cumpriu com sua promessa e o batalhão concluiu que havia sido curado por um milagre.
                                                                            ...
O dia da batalha chegara e Cateline decidiu que seria melhor não utilizar suas novas habilidades na Palestina, já que correria o risco de ser julgada como bruxa. Ela vestiu mais uma vez a armadura e retirou Dragan da bainha, empunhou a espada e montou no seu corcel negro. Os outros fizeram o mesmo e foram juntos para o campo de batalha.

Os mulçumanos marcharam e, quando ambos ficaram frente a frente, a guerra começou: espada contra espada, metal contra metal, poças de sangue e perdas dos dois lados. Cateline furava vários cavalheiros com Dragan, por vezes seu coração doía ao acertar um ou dois cavalos a fim de derrubar o oponente, mas a morte, naquele momento, era necessária.

Nas primeiras horas de luta ela conseguiu se manter intacta em seu corcel negro, até que um cavaleiro golpeou seu cavalo em seu corcel negro, até que um cavaleiro golpeou seu cavalo na barriga. Ambos caíram ao chão num baque pesado. Cateline estava forte, mas seu corcel agonizava. E, para acabar com sofrimento de seu fiel companheiro, ela cortou sua cabeça. Isso lhe doeu. Não podia curá-lo naquele momento.

A guerreira se viu de frente ao oponente, que também se encontrava sem sua montaria. Ela mirou o golpe no peito, mas ele desviou com facilidade e investiu contra seu ombro. Cateline não desviou com facilidade e investiu contra seu ombro. Cateline não conseguiu bloquear e sangue do ferimento que ardia coo brasa. Golpeou o cavaleiro novament5e, mas dessa vez conseguiu derrubar seu escudo e o acertou no peito, tirando-lhe a vida.

Ao seu redor não parecia mais ter inimigos. Olhares atentos procurando qualquer inimigo ainda vivo. Não avistou mais nenhum ao seu redor, no entanto, viu uma menina com a pele bem morena e olhos castanhos penetrantes que aparentava ter uns oito anos de idade. Com certeza estava com os mulçumanos. A menina deve ter invadido o campo de batalha escondido, sabe se lá se por curiosidade ou por ignorância. Cateline percebeu que a menina estava ferida. Um talho estava aberto em sua cabeça. A mais nova druida, sem se importar com a diferença religiosa entre as duas, se aproximou dela e colocou a mão no ferimento. A criança não se mexeu, o ferimento a deixara faca demais para isso. Em questão de instantes, Cateline a curou.

A criança se afastou correndo assim que foi curada, provavelmente espantada, e fugiu para longe de todo aquele derramamento de sangue. Era uma figura controversa no meio de tanta destruição.

A batalha continuou por muito tempo em outras áreas, alguns dias se passaram até os católicos vencerem. As perdas foram diversas, mas, enfim, eram vitoriosos.

Os católicos retornaram para Forestville em uma viagem bem mais silenciosa de que a de ida. Eles rezaram pelos amigos mortos e cuidaram dos feridos e, quando finalmente chegaram em casa, dispensaram as cerimônias para descansar.

Contudo, sem que percebessem, seus inimigos sobreviventes em seu encalço. Foram perseguidos.

***

Cateline se encontrava deitada sob a copa de uma árvore quando, não muito perto dali, percebeu uma movimentação atípica dos cavalos. Ela se levantou, assustada, correu pela multidão e abriu caminho entre a aglomeração e abriu caminho entre a aglomeração de pessoas que contemplavam os mulçumanos com um misto de medo e raiva. O rei de Florestville parecia decidir-se entre confrontar os inimigos ou acalmar seu povo, mas não havia como negar que, se uma batalha acontecesse, pereceriam. O inimigo estava em seu batalhão disposto e armadura e montaria brilhando, prontas para a batalha.

Um homem avançou com seu cavalo á frente da tropa e desceu. Era o líder do grupo. Ele caminhou e, ao invés de sacar sua espada e golpear os vulneráveis católicos a sua frente, sorriu e seus olhos encontraram os de Cateline. Mas por que ele sorria? E logo para ela? O que estava acontecendo?

Antes que algum sangue pudesse ser derramado, outro cavalo se destacou e, agarrada a ela, encontrava-se uma criança. Cateline logo a reconheceu, era a menina que havia curado no campo de batalha.

Cateline sentiu seu coração disparar, temendo que a descobrissem. O líder então se pronunciou, apontando para ela:

– Esta mulher salvou minha filha. Ela possui poderes que de alguma forma curaram minha pequena. Vim até aqui para agradecer a ela e propor a paz entre nossos povos, pois essa guerreira não se importou com as diferenças religiosas e me mostrou o que ninguém nunca antes havia feito: que todos somos iguais e o que importa são nossos corações. Deixamos as terras e as rixas.

– Ela é uma bruxa, queimem-na na fogueira- gritava a multidão que outrora eram seus aliados. Vários tentaram se aproximar de Cateline, até que o rei se colocou em sua frente, a fim de protegê-la.

– Ela curou a criança de um ferimento. Pensem no que pode fazer com ferimentos ou doenças mais graves. Pode ser a salvação que tanto procuramos para a peste.

De súbito, Amis apareceu entre as pessoas e quebrou a promessa que fizera:

– Quando eu fui vítima da peste, ela me curou. Os poderes de um anjo, não de uma bruxa.

O relato de Amis comoveu muita gente. E, diante de todos ali presentes, surgiu algo que não viam há muito tempo: A esperança.

E depois daquele feliz acontecimento, a paz se instalara entre católicos e mulçumanos, que enfim ignoraram suas diferenças. Com a ajuda de Cateline, muitas vítimas da peste negra foram curadas e enfim a guerreira havia encontrado sua Marca: ela era uma Druida e também aquela que havia estabelecido a paz entre os diferentes.

Pena que os homens são ambiciosos e nem sempre possuem um coração bom. Um dia aquela paz ia ser ameaçada. A ampulheta estava contando o tempo.


Gi Pezzolato tem dezesseis anos e escreve desde os dez, quando descobriu seu sonho de ser escritora. Em 2016 participou de duas coletâneas literárias e desde então não parou mais, tendo participado ao todo de sete coletâneas, todas pela Andross Editora. Trará novidades em sua escrita esse ano.



Imagem de capa deste post por: Renata Saito


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