terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Vikings: O poema de guerra de Rollo

Hail, medievalistas!

Estreou no dia 30 de novembro a segunda metade da quarta temporada de Vikings, o seriado do History Channel!


Inspirado pela estreia, eu decidi resgatar uma texto que escrevi há um tempo sobre uma das interpretações históricas mais bacanas que a série já fez.

Eu postei esse texto originalmente em abril de 2015 na página no facebook do Filhos de Rígr, o grupo de recriacionismo viking do qual faço parte.

Quem curte o seriado deve se lembrar da cena no episódio 04 da primeira temporada quando o grupo liderado por Ragnar é atacado por soldados saxões na praia e, no meio da parede de escudos, Rollo recita um poema de guerra (WarCry), que inspira e incita seus companheiros.

A cena é fantástica:

Ao chegar na praia, após o saque, o grupo de Ragnar encontra uma tropa de saxões esperando...
... e a shield wall se forma!
O poema, na forma recitada por Rollo, é o seguinte:

Up onto the overturned keel
Clamber, with a heart of steel
Cold is the ocean's spray
And your death is on its way
With maidens you have had your way
Each must die some day!

Rollo recita o poema para trazer inspiração a seus companheiros e a si próprio!
Talvez alguns tenham se perguntado se há uma origem histórica para os versos recitados por Rollo e a resposta é sim. Trata-se de uma adaptação livre de um poema que teria sido recitado, de acordo com testemunhas oculares, pelo guerreiro islandês Þórir Jökull, momentos antes de ser executado na noite de 21 de agosto de 1238 (ainda assim, não há como saber se o dito guerreiro era o autor do poema). O evento é narrado na saga islandesa Íslendinga, cuja autoria é comumente creditada ao Sturla Þórðarson, um chieftain islandês.

Uma página da Sturlunga, a coleção da qual Íslendinga faz parte
Contudo, a versão do seriado não é tão fiel à original (sequer apresenta a mesma quantidade de versos), embora mantenha no geral a ideia principal, que é enfrentar a morte com coragem. Em islandês moderno, a grafia seria a seguinte:

Upp skal á kjöl klífa,
köld er sjávar drífa.
Kostaðu hug að herða,
hér skaltu lífið verða.
Skafl beygjattu skalli,
þótt skúr á þig falli.
Ást hafðir þú meyja,
eitt sinn skal hver deyja.

É possível encontrar na internet diversas adaptações do poema original para o inglês, as quais procuram guardar o máximo possível do significado de cada verso. A seguinte versão é de Anthony Faulkes, professor de Islandês antigo pela Universidade de Birgmingham:

You must climb up on to the keel,
cold is the sea-spray’s feel;
let not your courage bend:
here your life must end.
Old man, keep your upper lip firm
though your head be bowed by the storm.
You have had girls’ love in the past;
death comes to all at last.

Traduzir um poema de forma literal é possível, mas perdem-se as rimas, as aliterações, a métrica, enfim, tudo que faz dele um poema. Dessa forma, o que se faz geralmente é uma tradução interpretativa, mantendo na medida do possível a ideia original, e trazendo para o novo idioma rimas e aliterações que façam a leitura agradável.

Enfim, é importante notar que o poema, de acordo com as sagas, foi recitado por um guerreiro islandês prestes a ser executado em 1238 D.C (ou seja, quase dois séculos depois do fim da chamada Era Viking). Então é possível que se trate de uma tradição oral trazida desde a Era Viking? Claro, mas apenas no nível da suposição. Ou seja, o fato de Rollo recitar esse warcry no episódio (que se passa no comecinho da Era Viking, pouco depois de 793 D.C) é uma interpretação livre dos produtores da série (que ficou muito bacana, por sinal).


E já que estamos falando disso, eu também tomei a liberdade de fazer a minha própria versão, em português, do poema transcrito na saga islandesa, com o qual fecho esse post:

Erga-se agora sobre a quilha
A brisa do oceano em seu rosto é fria
Que nesse momento não lhe falte coragem
Aqui termina sua vida selvagem
Para aqueles que sorriem para a morte
Os Deuses reservam a melhor sorte
Com mulheres na vida você teve prazer
Um dia todos devem morrer

Bibliografia:

Faulkes, Anthony (1993). What Was Viking Poetry For?

Outras fontes:

http://en.wikipedia.org/wiki/%C3%9E%C3%B3rir_J%C3%B6kull_Steinfinnsson

2 comentários:

  1. incrível! amei o artigo sobre o assunto e, espero que não se importe, "peguei" a tradução que você fez para usar num conto que escrevo, caso queira ler, eis o link: http://contoseracontos.blogspot.com.br/2017/02/a-batalha-de-bravalla-os-pensamentos-de.html

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    1. Olá! Bacana o conto, e vi que você mencionou o Cena Medieval, obrigado. ;)

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